quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Expressões da Cultura afrobrasileira em sala de aula


       A arte africana é efeito das manifestações de seu povo que representa suas histórias, mitos, crenças e filosofia, transformando os elementos de sua cultura em inspiração para vários movimentos artísticos. Os nativos africanos que vieram para o Brasil na condição de escravos trouxeram consigo sua tradição cultural que aqui se fundiu com elementos das culturas indígena e portuguesa para formarem a nossa cultura afro brasileira. O Brasil por estar centrado nos valores eurocêntricos passou muito tempo para reconhecer a importância/contribuição da cultura afro, no entanto nas ultimas décadas temos um considerável aumento referente a tais manifestações e isso é importantíssimo pois a valorização da cultura afro desconstrói estereótipos enraizados no interior de nossa sociedade, sobretudo trata-se da construção da identidade do negro e da memória de seus artistas, é um resgate de sua auto estima na medida em que reconhece seu devido valor.
     Desde a época colonial a cultura afro nunca encontrou liberdade para se expressar, havia uma negação do “ser negro” que silenciava, reprimia quaisquer tipo de demonstração. Aqui negros/as viviam em condições sub humanas sem terem sequer o direito de matar a saudade de sua terra através de seus rituais cotidianos nos quais eles preservavam seus valores e tradições. Era o que lhes havia restado da África e agora lhes era tirado de forma rude. Assim, manifestações como as religiões afro-brasileiras e a capoeira eram severamente perseguidas pelas autoridades. Apenas na metade do século XX as expressões culturais afro-brasileiras, como o samba, começaram a ser um pouco mais aceitas pelas elites brasileiras, ganhando destaque na música popular e se configurando como expressões artísticas nacionais. Também a capoeira que era mal quista foi denominada no governo do então presidente Getúlio Vargas como "único esporte verdadeiramente nacional"[1].
     Somente a partir dos anos 50 tornam-se menores as perseguições às religiões afro brasileiras ocorrendo também um dinamismo nos rituais visto que os terreiros passam a ser freqüentados por brancos e também pela elite. Gradativamente foram implantadas mudanças na estrutura social brasileira, no entanto a intolerância/preconceito ainda é latente no nosso meio e, pior ainda, na sala de aula. Neste ambiente de construção de sujeitos, de formação de cidadãos muitas vezes são presenciadas formas inaceitáveis de intolerância étnica. O problema estaria na criação dada pelos pais? Na formação do/a professor/a que não está apto à formação conscientização dos/as alunos/as? No Estado que não promove políticas voltadas para a educação étnica? Na realidade é um problema sério e que deve ser analisado e solucionado. Não podemos fechar os olhos diante de algo tão importante. Há muito temos discussões e até produções sobre o respeito à diversidade étnica, entretanto a realidade é impactante. Evoluímos tecnologicamente, mas regredimos em valores e práticas. Somos oriundos da miscigenação, supervalorizamos um discurso que despreza parte do que somos.
     É preciso construir uma relação dos diversos grupos sociais enfatizando o respeito à diversidade étnica no Brasil, desconstruindo paradigmas preconceituosos e racistas e afirmando nossa identidade plural. No tocante às expressões afro brasileiras é possível aproximar os alunos de forma prática pois as mesmas são bastante acessíveis. A partir da musica e da dança, por exemplo o/a professor/a pode tornar a aula atraente, interessante e participativa. Ao ministrar o conteúdo a partir do axé, hip hop, coco de roda, ciranda, samba, grafite o/a professor/a estará fazendo com que o/a aluno/a assimile melhor os assuntos e consequentemente compreenda melhor a influencia de tais expressões na cultura brasileira.
    Nos questionários aplicados aos alunos pedimos para que os alunos especificassem quais as expressões da cultura afro brasileira eles conheciam: Capoeira, Rap, Ciranda, Grafite, Coco de Roda, Samba ou Nenhuma das opções. A maioria dos alunos conhece uma ou mais expressões, entretanto desconhecem que as mesmas sejam afro brasileiras. Tal resultado nos leva a pensar na construção histórica dos lugares ocupados por negros/as no Brasil e mais especificamente sobre a educação no Brasil.
     Os currículos de História no Brasil sempre foram organizados de acordo com o ordenamento linear cronológico e a consagração de determinadas personagens consideradas “sujeitos da história”. Essa organização voltada para “as grandes personagens” da história dá a entender que existem os “sujeitos históricos” e “outros sujeitos” que não exerceram participação efetiva na história. Sendo assim, os cidadãos anônimos, as pessoas comuns não são consideradas construtoras da história, estando excluídas do processo histórico e isso, segundo os autores, causa um desinteresse em alguns estudantes, exatamente por não se sentirem incluídos na história e passam a ignorar o estudo dessa disciplina escolar tão importante. A organização pautada na linearidade visa a permanência da tradição, sendo mal quista pelos autores porque não permite que os estudantes percebam as continuidades e descontinuidades presentes nos processos históricos, fazendo com que eles percam a sequência dos acontecimentos. A partir dos anos 70, com o processo de redemocratização, ocorrem intensas transformações no sistema escolar e ocorre uma organização diferenciada do currículo escolar, na tentativa de distanciá-lo da tendência tecnicista e aproximá-lo de uma tendência de mudança da realidade.

                                                         “Os debates apontavam que, além de “formar o cidadão crítico e consciente”, o ensino de História deveria eliminar o ideário nacionalista do regime militar e abordar questões ligadas à identidade social”. (ROCHA, 2008, p.77)

     Portanto deveria ser feita uma nova abordagem histórica que formasse um aluno livre, consciente, responsável, que fosse capaz de interferir na sociedade, como um sujeito histórico. Dessa forma não basta meramente reconhecer nossa diversidade étnica, temos que incitar estudos sobre a história do/a negro/a. É nosso dever, enquanto professores/as, desconstruirmos este universo racista/preconceituoso no ambiente escolar e incentivarmos uma cultura voltada para o respeito à diversidade, valorizando a pluralidade cultural.
     Temos que conscientizar nossas crianças e jovens para a valorização de nossa cultura, de que nossa identidade resulta da miscigenação de etnias. Já não é admissível sermos coniventes com o modelo europeu excludente que instituiu a África como um continente desprovido de história pois não é coerente silenciarmos a narrativa de um continente tão imenso e com tamanha beleza. A áfrica é parte fundamental de nossa identidade e deve ser valorizada e legitimada como tal. Alguns eventos como a ascensão de negros/as como personalidades mundiais tem contribuído positivamente para a diminuição do preconceito. Também as discussões acadêmicas e de movimentos ligados ao Movimento Negro vem quebrando os paradigmas eurocêntricos. Em 2006 foi criado o Prêmio Nacional de Expressões Culturais Afro-brasileiras[2]  tem por objetivo o desenvolvimento de artistas, grupos e companhias que trabalhem com a produção artística de estética negra, a fim de valorizar a cultura afro descendente e suas manifestações contemporâneas. Muito já foi feito, no entanto apenas começamos e para obtermos êxitos ainda há muito por fazer.

[1] Informação retirada do site http://pt.wikipedia.org/wiki/Cultura_afro-brasileira.
[2] Dado retirado do site do Ministério da Cultura: http://www.cultura.gov.br/site/2010/01/12/i-premio-nacional-de-expressoes-culturais-afro-brasileiras/

Bibliografia

ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de; FILHO, Walter Fraga. Uma história do negro no Brasil. Salvador: Centro de Estudos Afro-Orientais; Brasília: Fundação Palmares, 2006, p. 13-35.

CLARETO, Sônia Maria; SÁ, Érica Aparecida de. Formação de professores no mundo contemporâneo: desafios, experiências e perspectivas. In.: LOPES, Paulo R. Curvelo; CALDERANO, Maria da Assunção (org.). Juiz de Fora: ADUFJF, 2006, p. 19-37.

CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais / Tradução de Viviane Ribeiro. 2 ed. Bauru: EDUSC, 2002, p. 143-202.

ROCHA, Aristeu Castilhos da. O regime militar no livro didático de historiado ensino médio: a construção de uma memória. Tese de doutorado (PUC – SP), 2008, p. 58-79